alhos e bugalhos

"Você sabe como misturar alhos e bugalhos."

Foi o que ouvi de uma das maiores especialistas em fotografia no Brasil, há mais de 25 anos, no início da minha jornada como fotógrafa em São Paulo. Na ocasião, participava de uma leitura de portfólio, e aquela frase ficou gravada na minha mente. Na época, interpretei que ela se referia aos temas que eu gostava de fotografar — montagens de imagens que, à primeira vista, não pareciam se relacionar

Anos depois, compreendi a expressão em seu sentido mais amplo e me identifiquei com ela. Vivo nas conexões e entre fronteiras, sem me limitar a um único rótulo. Nunca me considerei especialista em nada, mas sempre tive a habilidade e o interesse em explorar diversos "especialismos". O que realmente me fascinava era a mistura de disciplinas, a criação de conexões entre ideias e ações. Rompia com a noção de campo ou domínio, algo que era, de certa forma, até "indisciplinado". Recentemente, outra grande especialista me definiu como multipotencial, dizendo que o que faço de melhor é tecer redes, conectar realidades, saberes e possibilidades.

Foi através do estudo do meu mapa natal védico, já próxima ao meio século de vida, que compreendi: não saberia viver de outra forma. Embora muitas vezes me sinta deslocada em perfis, vagas de trabalho, projetos ou instituições — neste mundo que (ainda) privilegia os especialistas — entendi e aceitei que talvez não deva mesmo me encaixar. Estou aqui para transbordar. Sim, no sentido de ir além dos limites, de navegar naquele espaço entre as bordas, de fazer conexões.

E por que estou dizendo isso aqui?

Tenho observado muitas pessoas paralisadas, ansiosas e inseguras diante da pressão de escolher "o que fazer", "o que eu quero", "para onde vou". Como se o sucesso dependesse apenas de ter um alvo certo, como se o caminho não pudesse oferecer diferentes possibilidades de misturas, como se só um roteiro muito pré-definido pudesse nos guiar. Acredito nas palavras de um xará meu, o Pessoa: "tudo vale a pena se a alma não é pequena". Minha alma, nesse sentido, deve ser imensa, pois acomodou, de forma generosa — embora nem sempre amorosa — muitos "eus" e muitos "tudos".

Ao longo dessa jornada, já fui professora de inglês, arquiteta, urbanista, fotógrafa, produtora cultural, museóloga, pesquisadora, professora universitária, consultora, documentarista, entrevistadora e entrevistada, agente comunitária, jardineira, instrutora de yoga, terapeuta e astróloga védica. Mistura tudo isso e veja o que sai!?

O mais importante é que fui e não sou nada disso. O que sou não se resume ao que faço, estudo ou trabalho. Tudo isso, claro, faz parte da evolução do meu ser, mas não é o meu ser. E por isso, sigo no caminho do autoconhecimento, buscando na espiritualidade o que a materialidade não entrega

No último post, falei sobre o mapa natal védico e o posicionamento dos planetas. Olhando para o meu mapa, compreendi que as coisas não vêm rápido nem fácil, tudo exige tempo e dedicação. Posso passar dias maturando ideias e, de repente, sento e coloco no papel em meia hora, como um download. Isso reflete a relação curiosa entre Mercúrio e Saturno no meu mapa, um na casa do outro, criando um jogo entre rapidez e lentidão, leveza e responsabilidade.

Sendo Saturno o planeta conectado com estrutura, organização e trabalho, é ele quem nos faz perceber as nossas limitações, nos traz a capacidade de aceitar fatos que não podem ser mudados e nos ajuda a comprometer com o que precisa ser feito. Totalmente influenciada por Saturno nos últimos anos, que rege esta fase da minha vida e está transitando sobre a minha Lua natal — um período divisor de águas na astrologia védica chamado Sadesati —, percebo com cada vez mais clareza as minhas limitações, meu comprometimento nesta jornada e o que faz minha alma evoluir ou estagnar. O que importa de verdade e o que, definitivamente, já não faz mais sentido. Se eu dissesse que tem sido fácil, estaria mentindo. Mas os remédios astrológicos para Saturno, como as práticas de jejum, disciplina e responsabilidade, têm sido fundamentais para enfrentar esses desafios.

Marte, o planeta guerreiro, de ação, força e impulsividade, também me influencia fortemente, me dando coragem, mas também uma urgência quase impaciente. Em uma fase da vida em que os hormônios nem sempre colaboram com o equilíbrio emocional, é preciso exercer a paciência, respirar fundo e controlar a raiva e a frustração. Mas é Marte que me dá a audácia para, por exemplo, adentrar o mundo acadêmico, tornar-me doutora e seguir investigando outros domínios e estudos elevados, como os Vedas. Marte oferece a energia necessária para me dedicar a diversos projetos simultaneamente e a força para concretizá-los.

Já na relação entre Júpiter e a Lua no meu mapa, reconheço e busco honrar a abundância em minha vida. Ainda que flutuante, aprendo nos momentos de escassez e me esforço para retribuir e devolver ao universo o que recebo.

Tudo isso para dizer que o autoconhecimento, apesar de ser um processo difícil, é profundamente belo. Tenho percebido isso nos atendimentos que realizo: as pessoas apreciam se ver refletidas no espelho que o mapa natal oferece, expondo suas almas. E, quando a alma não se apequena, tudo, de fato, vale a pena.

Convido você a refletir sobre isso: quais "eus" você já abraçou ao longo da sua jornada?

fotografia de Fernanda Curi, alhos e bugalhos, Portugal, 2024.

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