respiro

Nunca é demais recordar a vital importância de seguir respirando. Fora de nós, o excesso de água com enchentes e inundações, que assolam do Brasil ao Afeganistão, passando pelo Leste da Africa, deixa-nos sem ar. O fogo das guerras nos sufoca. Internamente, nosso corpo, predominantemente composto por água, depende diretamente da movimentação do ar e do fogo para processar tudo isso que o planeta nos devolve. O Ayurveda preconiza: somos aquilo que conseguimos digerir.

Não está nada fácil assimilar o mundo externo e, embora a ajuda humanitária se apresente como uma via possível e necessária para atenuar as tragédias naturais e os conflitos causados pelo próprio homem, é crucial direcionar também a atenção para o nosso mundo interno. Nas palavras de Thich Nhat Hanh: “Tente praticar meditação regularmente. Não nos privemos, a nós mesmos e ao mundo, deste alimento espiritual. Quando percebemos que nossa prática é nutrição tanto para nós mesmos quanto para o mundo, isso nos traz alegria e a sensação de que somos úteis para a vida.”

Foi nesse contexto que surgiu o convite para colaborar num retiro como instrutora de yoga. A ideia inicial era passar um mês no Foodpath, em Palairos, na parte ocidental da Grécia continental, conduzindo duas práticas por dia. Logo, esse período se estendeu para dois meses, tamanha importância que esse trabalho assumiu nas circunstâncias atuais, diante da exaustão imposta pela vida contemporânea.

Desde o dia 7 de abril, tive a oportunidade de conhecer de perto mais de 70 pessoas de 22 países diferentes. Como não se trata de um retiro com data de início e fim definida, e sim, um retiro em andamento, as pessoas chegam e permanecem entre quatro dias e duas semanas. Houve momentos em que éramos 17, outros 5, e cada participante trouxe consigo sua singularidade, contribuindo para tornar aquele período especial de alguma maneira.

Foi fascinante perceber como as peculiaridades individuais criavam espaço para uma atmosfera coletiva acolhedora. Em várias ocasiões, experimentamos uma sensação reconfortante de familiaridade, mesmo tendo nos conhecido apenas há alguns dias. Isso ressalta a natureza inata do ser humano como um ser social. Alguns chegavam com o peso das responsabilidades estampado em seus semblantes, enquanto outros compartilharam dificuldades emocionais e nos relacionamentos. Não foi incomum ouvir expressões como "eu não consigo" ou "eu não sei relaxar", revelando a complexidade das experiências humanas.

Em comum, apenas uma pergunta para todos que por aqui passaram: “De forma sintética, ou se possível em uma única palavra, o que te trouxe até aqui?” Afinal, o que essas pessoas buscavam ao vir para um lugar pouco conhecido na Grécia, que oferece um quarto para dormir, duas práticas de yoga por dia, e duas refeições vegetarianas – saliento – refeições tão deliciosas que fariam inveja aos próprios deuses gregos?

As respostas foram diversas: paz, pausa, perspectiva, caminho, natureza, clareza, aceitação, cuidado com a saúde, calma, introspecção, vitalidade, liberdade, recomeço, reparação, autoconfiança, autoconsciência, equilíbrio mental, corpo saudável, conexão interior, conexão com a essência, desconexão, sono, paciência, saída da zona de conforto, abertura, curiosidade, exploração, descanso, cura, alimentação consciente, contemplação, reavaliação de objetivos, relaxamento, respiração.

Não deveria ser um privilégio que essas aspirações fossem apenas de algumas pessoas num mundo caótico e perturbador, no qual a maioria luta pela sobrevivência. Ao mesmo tempo, é maravilhosa a opção de alguns em dedicar o tempo de descanso a essa nutrição do corpo, da mente e da alma.

Dois meses atrás, não tinha ideia de que uma experiência tão rica quanto esta estava a caminho. Mas é importante reconhecer que houve sim uma preparação e uma abertura para que a possibilidade viesse. Porque de algum modo, resolvi aceitar e abraçar a permanente impermanência que faz parte do meu projeto cósmico. Se afinal, estamos todos e tudo em constante transformação, já não busco mais o que é, e sim o que está se tornando.

Também me perguntaram o que eu buscava ao vir para cá e respondi prontamente: “retribuir”, compartilhar o conhecimento védico que venho acumulando ao longo dos anos com aqueles que buscam autoconhecimento e autocuidado. Seguir aprendendo, com a prática e ensinamentos diários, com a vivência dos instantes. E sobretudo, continuar respirando, pois ao estar consciente da minha respiração, cuido do meu corpo e da minha mente, o que constitui a única e verdadeira maneira de estar presente neste momento. Um alimento espiritual que não apenas me nutre, mas me faz sentir útil para a vida.

Sigamos buscando conforto no esforço. Ajustando o foco no sufoco. E inalando, exalando, conscientes e gratos pela vida que nos foi concedida, que por mais complicada ou pesada que seja – ou esteja – sempre oferece alguma possibilidade de leveza, como o ar que respiramos.

fotografia de Fernanda Curi , Palairos, Grecia, 2024

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